Cuide bem de você.

28/07/2011 09:33

    

    Um quarto quase escuro, pouca luz. Sapatos, calças, meias, cuecas, coisas espalhadas pelo chão. Tudo o que estava alí parecia milimetricamente calculado.

    Na cama, um corpo estendido.

    Na mesa de cabeceira uma taça com algum tipo de vinho que, Ele, aquele corpo estendido na cama bebera algumas horas antes. Ao lado da taça suja de sangue dionisíaco havia muitos cigarros, algumas lágrimas e um consolo. Um disco de alguma banda carioca, que só ele ouvia, tocava longe, em outra dimensão. A torneira mal fechada do banheiro ressoava pingos leves, suaves, quase uma tortura.

    Os quatro gatos sagitarianos vigiavam aquele corpo parado, envolto somente por um tecido branco.

    Os olhos abriram-se lentamente. Um compasso de oito tempos, quase uma dança. A dança dos olhos negros, secos, que por algum motivo haviam perdido todo o líquido que, Ele, o corpo agora encolhido, pensava não existir mais dentro de si. Foi quando olhou para o lado, eram 3 am, hora cabalística, onde todos os demônios saem para consumir corpos, lágrimas, sonhos. Ele não sabia disso. Sabia dos seus demônios, aqueles que habitavam dentro dele, mas esses nunca saiam.

    Levantou-se, olhou ao seu redor. Os seus olhos fitaram, em cima da cama, um pedaço de papel amassado, como se alguém tivesse escrito e logo após, o envolvesse com a mão fortemente tentando esconder o verdadeiro eu lançado para fora em palavras.

    Ele, o corpo agora em pé, abriu cuidadosamente o pedaço de papel e, em uma tentativa sem êxito, tentou ler o que ali estava escrito. Foi então que forçou um pouco mais a visão e as letras começaram a desembaralhar:

    “Eu sei que atrás desse universo de aparências, das diferenças todas, a esperança é preservada.
Nas xícaras sujas de ontem o café de cada manhã é servido. Mas existe uma palavra que não suporto ouvir e dela não me conformo.
Eu acredito em tudo, mas quero você agora! Eu te amo pelas tuas faltas, pelo teu corpo marcado, pelas tuas cicatrizes, pelas tuas loucuras todas, minha vida.
Eu amo as tuas mãos, mesmo que por causa delas eu não saiba o que fazer das minhas.
Amo o teu jogo triste e as tuas roupas sujas é aqui em casa que eu lavo.
Eu amo a tua alegria mesmo fora de si, te amo pela tua essência e te amo até pelo que você podia ter sido, se a maré das circunstâncias não tivesse te rebanhado nas águas do equívoco.
Te amo nas horas infernais e na vida sem tempo... 
Te amo pelas futuras rugas.
Te amo pelas tuas ilusões perdidas e teus sonhos inúteis...
Amo teu sistema de vida e morte, te amo pelas tuas entradas, saídas e bandeiras. Te amo desde os teus pés até o que te escapa.
Te amo de alma para alma e mais que as palavras, ainda que seja através delas que eu me defendo quando digo que te amo mais que o silêncio dos momentos difíceis, quando o próprio amor vacila.  Te amo e é por isso que te deixo.”

    E tudo terminava naquele exato momento, da mesma forma como, há dois anos começara, com “Aparências” e uma ausência na mão suada. Porém, não sentiu dor, sentiu um vazio e nada mais.

 

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